22 julho 2009

Limites, dosagens e bom senso

Jesus havia pronunciado:

“Os meus discípulos serão reconhecidos, por muito se amarem”.


É uma passagem que não requer qualquer interpretação, porque o texto está claro demais, não há qualquer palavra que possa ter mais de um significado, não é parábola e, portanto, não há dúvidas acerca do que ele realmente quis dizer.

Não vou direcionar este artigo ao grande público, embora o assunto possa ser desenvolvido a ele, quero falar diretamente aos espíritas, posto que o maior de todos os problemas do nosso movimento é de relacionamento.

Espírita só pode se dizer afim com Jesus se praticar isso aí que ele ensinou. Espíritas que não são amam, podem ter apegos à religião, às conveniências pessoais e a qualquer outro interesse, menos com Jesus.

Podem até fazer a leitura do Evangelho três ou mais vezes por dia, recolherem-se em preces, com o maior esforço em concentração, no silêncio absoluto, mas nada estarão fazendo a não ser um simples ritual religioso.

O processo do amor ao próximo é condição “sine qua non” para a criatura se auto-identificar como seguidora de Jesus.

Mas, o que é, afinal de contas, esse tal amor ao próximo, que tanto se fala?

Se eu passar a ser “bonzinho”, a dar dinheiro a meninos que pedem em sinais de trânsito, a chamar todos de “meu irmão”, a desejar “muita paz”, a adotar a fala mansa e a moldar os meus textos e o meu dizer em palavras conforme o que querem os mais exigentes “puristas”, necessariamente eu estarei amando ao meu próximo?

Quando eu brigo, causo confusões, me indisponho contra confrades e até me acho qualificado a punir pessoas, sob argumentação de que elas não estão se comportando ou se conduzindo conforme aquilo que EU imagino ser o Cristianismo ou o Espiritismo, eu estaria agindo por amor ao meu próximo?

Será que eu tenho condições de visualizar os limites e as dosagens das coisas, a ponto de estabelecer, por exemplo, o que é e o que não é Espiritismo?

Será a minha visão e interpretação da doutrina a única absolutamente correta, a exclusiva, a inabalável e a inquestionável?

É sobre isto que eu quero dispor aqui, para a apreciação de todos:

Isto não é Espiritismo!!!!

Conforme eu disse anteriormente, o maior problema do movimento espírita é de relacionamento. Não é um simples problema, é um grande problema que precisa ser questionado, estudado, refletido, trabalhado e resolvido.

Quando eu me deparo com alguém que não pensa, necessariamente, igual a mim, acerca de determinadas questões, inclusive questões espíritas, mas continuo a levar a vida normalmente na relação com esse alguém, eu estou vivenciando um comportamento normal, equilibrado, sensato e coerente. Mas, a partir do momento em que eu passo a discriminar essa pessoa, a querer distância dela, e evitá-la; inclusive desenvolver campanha para jogar pessoas outras contra ela, chegando, muitas vezes, a extremos de difamá-la, para que os outros a vejam como delinqüente, aí eu estarei em absoluta condição de desequilíbrio, de desajuste, de moral comprometida e eu, sim, estarei na condição de delinqüente.

Existem limites e dosagens para estabelecermos os parâmetros do Espiritismo.

Que limites são esses? os que estão enquadrados dentro da visão do Alamar? Os que estão na visão contrária daqueles que não admitem a forma como ele vê?

Não sei. Não cabe, ainda, uma resposta.

Construamos, então, algumas argumentações e, se você conseguir acompanhar a linha de raciocínio, estabeleça, então, quais são, portanto, esses parâmetros.

Nem tudo o que é bom, necessariamente é Espiritismo

É bom que tenhamos esta consciência, porque, em nome do “isto é uma coisa boa”, muita gente está fazendo verdadeiras saladas em determinadas casas espíritas.

Citemos alguns exemplos:

Existe uma Faculdade de Medicina, onde o objetivo é formar pessoas na área da Medicina e, por esta razão, é estabelecido um programa de estudo, durante seis anos, para a formação profissional do médico.

De repente a direção da faculdade resolve inserir, na programação curricular, estudos das seguintes matérias:

Direito Penal, Código de Processo Civil, Cálculos Estruturais, Economia Internacional, estudo da língua Hebraica, Consolidação das Leis Trabalhistas, Engenharia de Bancos de Dados... etc.

São boas matérias?

São, sim.

São conhecimentos úteis ao homem?

São, sim.

Mas... que diabo tem a ver com Medicina?

O objetivo da faculdade não é ensinar Medicina?

Teria coerência, numa Faculdade de Direito, a inserção de matérias que estudam o colesterol, as suas frações LDL, HDL, VLDL?

“Teria sim! Afinal de contas, advogados têm que se prevenir contra o risco de infarto e é bom que eles saibam que o HDL é o bom colesterol e que o LDL é o mau colesterol. É útil, sim, e o diretor que instituiu a matéria tem razão... “ É o que, certamente, alegariam alguns, caso isto acontecesse.

Mas, está coerente? Está dentro dos limites e dosagens do “Isto é Medicina”, e “Isto é Direito”?

De repente o Reitor da Universidade, tomando conhecimento dos enxertos colocados nos cursos, utilizando-se da autoridade que o cargo lhe faculta, determina:

- “Não quero saber de código penal, CLT, engenharia de bancos dados... etc. no curso de Medicina. Podem tirar, imediatamente. Faculdade de Medicina é para ensinar assuntos diretamente ligados à Medicina”.

Naturalmente, alguns vão qualificá-lo como autoritário, arbitrário, ditador e até de desrespeitador aos direitos de expressão.

Aí recorramos ao bom senso:

Estará mesmo errado o Reitor, por tomar tal iniciativa?

Claro que não.

Afinal de contas, se seis anos de estudos numa faculdade ainda são insuficientes para o profissional aprender a Medicina, em condições de desenvolvê-la bem, necessitando de residência, pós-graduação, especialização, estágio, participação em congressos etc... que sentido tem alguém querer ocupar o espaço do curso com outras matérias, embora boas, que nada tem a ver com a Medicina?

No movimento espírita essas coisas estão acontecendo.

De vez em quando eu recebo e-mails de pessoas relatando-me que estão freqüentando um centro espírita “muito bom”, onde tem, inclusive, Cromoterapia. Na oportunidade, me perguntam o que eu acho da Cromoterapia.

Outros querem saber a minha opinião sobre o Reik, sobre o uso de pirâmides onde as pessoas deitam embaixo, para tomar passes, sobre a musicoterapia, sobre a terapia A, B e C. Outros querem que eu opine sobre a Apometria.

Em princípio eu respondo: “só gosto de emitir opinião acerca de coisas que eu conheço”.

Quando eu não conheço, não opino nada, nem contra nem a favor. Apenas limito-me a dizer que determinas coisas não tem a ver com o Espiritismo.

- “Então, com isto, você está querendo, sutilmente, dizer que é contra a Cromoterapia, Alamar?”

É aí que está o grande erro de muitas pessoas, que terminam se indispondo com outras.

Eu, particularmente, não sou contra a Cromoterapia nunca. Inclusive já dei umas lidas em livros, a respeito dela, entendi como funciona, sei que ela é respeitável, deve ser praticada com luzes e não com toalhinhas coloridas ou paredes coloridas, como alguns imaginam que seja. Acontece que o fato de “dar umas lidas em alguns livros” não significa que eu conheça do assunto, a ponto de emitir opiniões e muito menos condenar.

Mas poder afirmar que Cromoterapia não é Espiritismo, isto posso, porque eu sei o que é o Espiritismo, senti-me obrigado a estudar a doutrina espírita, não apenas em uma tradução, a entender bem os seus postulados, por questão de coerência, já que me atrevi a trabalhar como um seu divulgador... ou melhor... um dos seus maiores divulgadores do mundo, e não poderia expor-me ao ridículo de falar sobre coisa que não entendo.

Por isto que posso afirmar:

Apesar do estudo do Código Penal ser uma matéria interessante, ela é pertencente ao Direito e não à Medicina, da mesma forma, a Cromoterapia é, também, algo interessante, mas não é Espiritismo, é coisa de outra área.

Florais de Bach é bom, mas não é Espiritismo; reick não é Espiritismo, dança de salão não é Espiritismo, curso de Judô não é Espiritismo, ensinar arte culinária não é Espiritismo...

Por que as pessoas procuram misturar tanto?

A verdade é que em muitos centros espíritas, quando se verificam dirigentes abusando do livre arbítrio, nós encontramos procedimentos que, talvez, queiram dizer isto:

- “O nosso centro é livre, não está subordinado à FEB, ao Ministério da Educação, à Prefeitura, ao Vaticano, não se submete a nenhuma norma governamental, pode fazer o que quer, desde que aprovado pela sua diretoria, que é soberana, por que não faz o que quer? Vamos fazer, sim. Se os diretores aprovam, é porque eles sabem o que estão fazendo.”

É exatamente isto que acontece e é fundamental que os freqüentadores da instituição tenham consciência de que o fato de alguém estar colocado num cargo de diretor de centro espírita não significa necessariamente que conheça o Espiritismo.

É importante dizer isto porque é muito comum o freqüentador achar que todo dirigente e até mesmo os trabalhadores da casa e até a moça da cantina entendem muito da doutrina.

Faz-se necessário entender que a maioria dos centros constitui corpo diretivo com o que tem, com o que se oferece para o cargo, porque não tem quase ninguém que queira assumir nada, por razões diversas: “a faculdade toma todo meu tempo”, “não posso, por causa dos filhos”, “trabalho até tarde e tenho que chegar em casa e ainda fazer os serviços domésticos”... e por aí vai. Na verdade, muita gente não quer porque tem que ser voluntariado e não ganha nada.

Quando a instituição espírita é grande, poderosa, movimenta grandes somas em dinheiro, dá status, oferece possibilidades do dirigente dar entrevistas em emissoras de rádio, televisão, jornais e revistas, aí a coisa muda. Até brigam pelos cargos.

Mas eu não quero comentar sobre isto agora, porque só este item daria um artigo enorme.

A razão é que, em decorrência disto, muitos fazem o que querem e que bem entendem com a nossa doutrina.

Por este motivo, eu sugiro, insistentemente, que as pessoas que estão no movimento espírita e que gostam do Espiritismo, façam esforços em conhecerem, elas mesmas, a doutrina espírita, orientando-se fundamentalmente pelas Obras Básicas, de preferência estudando em mais de uma tradução.

Ler romance espírita é bom, mas não é o suficiente para ninguém aprender o Espiritismo, por mais que o romance seja maravilhoso e lhe faça chorar de emoção.

Mas também tem outro detalhe:

O fato de não concordarmos que a Cromoterapia, por exemplo, seja inserida na casa espírita, não quer dizer que devamos passar a ter raiva da Cromoterapia, não querer nem ouvir falar em Cromoterapia, querer distância das pessoas que gostam do assunto e ver a sua prática como se fosse prática imoral, indecente e, talvez, criminosa.

Digo isto, gente, porque muitos espíritas agem assim.

O centro espírita que pratica a Cromoterapia, postura equivocada, muitas vezes realiza, também, trabalhos extraordinários, notáveis e muito bonitos no campo da caridade, da mediunidade, da assistência etc... Mas têm espíritas que ficam totalmente cegos, em relação ao lado bom, e passam a odiá-lo e desmerecer tudo o de mais que ele faz, só por causa do equívoco neste ponto.

Observemos uma recomendação de Kardec, como exemplo:

- “O dia em que a Ciência demonstrar que o Espiritismo está errado, em algum ponto, cumpre ao espírita abandonar o ponto equivocado e seguir a Ciência”.

Ele não mandou que os espíritas abandonassem o Espiritismo, como um todo, mas somente o ponto equivocado!!!!!

Aí eu pergunto:

Por que muitos espíritas viram as costas para o centro, como um todo, só porque ele pratica UM PONTO equivocadamente?

A mesma pergunta se estende aos espíritas que odeiam as obras de J. B. Roustaing:

Por que virar as costas, fazer campanha contra, inclusive movida por muito ódio e até virar a cara, quando vêem um confrade que gosta desta obra, só porque ALGUNS PONTOS trazem algumas coisas polêmicas e que, de certa forma, deixam alguma dúvida?

Talvez algum leitor, que nunca ouviu falar desta obra, me pergunte:

- “Alamar, despertei curiosidade em saber o que consta nessa tal obra de Roustaing. Em alguma parte ela recomenda que as pessoas assassinem as outras, que os seus simpatizantes consumam droga, pratiquem aborto, sejam egoístas e orgulhosas, pensem somente nelas, em detrimento do próximo, roubem, falseiam e prejudiquem ao seu semelhante?”

Claro que não. Não tem absolutamente nada disto. O grande e “gravíssimo” problema é que ela, entre algumas coisas consideradas polêmicas, afirma que o corpo de Jesus não foi carnal, como o nosso, e sim fluídico.

Pronto. Só esta citação foi suficiente para gerar ódios terríveis, entre confrades.

Agora, veja bem se é ou não é coisa de espírita que não tem o que fazer, esse tipo de confronto com os confrades:

Que importância tem para mim e para qualquer espírita racional, se alguém vier me dizer que o corpo de Jesus foi de borracha, plástico, isopor ou até de alguma substância da Índia, retirada do fundo do Ganges?

Are baba!!!! Onde estariam as lamparinas do meu juízo, se me preocupasse com isto, se me aborrecesse tanto, a ponto talvez, de jogar-me no fundo de um poço?

Gente, o que mais importa, em Jesus, são os seus ensinamentos, o resto é irrelevante. Eu não tenho a menor preocupação se a mãe dele era virgem, como querem os católicos ortodoxos; não me preocupo em saber se as sandálias que ele utilizava eram as legítimas havaianas... enfim, espírita que tem o que fazer não perde tempo com bobagens.

E os limites e as dosagens, onde é que entram?

É exatamente na aplicação do bom senso e da coerência que eu sugiro a TODOS os espíritas:

  • Quando você afirma que Cromoterapia não é Espiritismo, tem razão. Mas quando odeia os centros e os dirigentes do centro, não tem razão.

  • Quando você não aceita a argumentação de que o corpo de Jesus foi fluídico, tem razão porque tem o direito de achar o que quiser. Mas quando passa a vida inteira ocupando-se a atacar os roustanguistas, não faz outra coisa senão falar disto, não quer nem saber de conversa de quem gosta da obra, aí perde a razão.

  • Quando você diz que o Espiritismo não manda ninguém se vestir de branco, para as mediúnicas, você tem razão. Mas quando discrimina os centros que fazem isto, se distancia dos seus dirigentes e fala mal da casa, aí você não tem razão.

  • Se você gosta de assistir palestra, sentado no chão da rua, expondo-se ao sol quente ou à chuva, ótimo, tem razão porque é o seu gosto pessoal (cada masoquista com sua mania). Mas quando critica o Divaldo, pelos “Work Shopping” que faz em grandes e confortáveis auditórios, baixando a língua porque os participantes contribuem com uma taxa de inscrição, para ajudar a pagar o aluguel do auditório e sobrar alguma coisinha para ajudar à Grande obra da Mansão do Caminho e não para fazer Divaldo ficar rico, como imaginam algumas mentes poluídas, aí você está sem razão.

  • Ser contra e até criticar alguns espíritas que fizeram bobagens, na Federação Espírita do Estado de São Paulo, até promovendo guerrinhas e ódios contra companheiros, por cobiça a cargos naquela gigantesca casa espírita, é algo que você tem razão. Mas ter raiva da FEESP, ter repúdio àquela histórica instituição, viver falando contra ela o tempo todo, você não tem razão.

Não se pode admitir espírita insensato. O estabelecimento coerente dos limites e das dosagens nas suas ações, é um requisito indispensável para todo aquele que se diz seguidor de uma doutrina que é racional.

Carinhosamente.

Abração, Gente!

Alamar Régis Carvalho

alamar@redevisao.net

www.redevisao.net
www.site707.com

2 comentários:

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Adoro o seu blog de alto conteúdo espiritual, que só nos leva ao crescimento moral. Por isso, quero compartilhar com você um selo, que se encontra no meu blog. Passe por lá para pegá-lo. Espero que goste. Abraços fraternos.

Monografia Espírita disse...

Brilhante ponto!!

Sempre fui extremamente racional e científico no meu modo de pensar, mas sabe, como me entristece ver que, muitas vezes, usa-se a doutrina para a defesa de interpretações próprias e reducionistas.

Adota-se a premissa de defesa do Espiritismo para a justificação de atos que para mim são tão contrários ao pregado por Jesus e adotados por Kardec.

No Espiritismo não pode haver melindres. E não se pode abandonar a caridade para com o próximo pelo culto de padrões internos.

Realmente, você tem toda razão. Por não entendermos o outro, que pode saber menos que nós (assim como pode também saber mais), o desmerecemos, e ainda pior, desmerecemos todo um trabalho ,que se tem um ou outro ponto discordante com a Doutrina, deve ser digno de todo o respeito.

Creio que isto não é leniência mas, ao contrário, é uma oportunidade de ação construtiva, de orientação correta e caridosa, sem os vícios tão característicos das relações humanas.

Luiz Gustavo