24 maio 2009

As dosagens e as coerências no movimento espírita

Há um velho ditado que diz: “Nem Jesus agradou a todos”.

Ele teria errado, de alguma forma? Ele teria feito coisas boas, para algumas pessoas, mas, também, coisas ruins para outras, a ponto de não agradá-las?

Sabemos que não.

Ora, quais seriam, então, os motivos porque todos não se agradassem de Jesus?

Ele, o supra-sumo do Amor Incondicional, possuidor de valores como a Caridade, a Tolerância, a Humildade, a Indulgência e a Fraternidade; mas todos autênticos, reais, sinceros e praticados integralmente.

Honestidade a toda prova, sem vícios, sem paixões, sem rancor, sem ódio, sem egoísmo, sem inveja, sem orgulho, sem partidarismo... enfim, sem qualquer característica que pudesse igualá-lo ao homem comum.

Por que, então, não agradou a todos?

Tem uma explicação:

Por causa da diversidade de óticas, de cada um. A criatura humana é mais ou menos cega, mais ou menos irracional, mais ou menos insensata, mais ou menos indigna e mais ou menos desonesta.

Ela não consegue enxergar as coisas como elas são e muito menos as pessoas, como elas realmente são.

Entre a vista de uma criatura humana, comum, e o objeto a ser visto, normalmente existe um vidro sujo, ou embaçado, como ficam os vidros de um banheiro quando estamos tomando banho com água bem quente.

Este vidro existe de forma permanente, conforme o nível de inteligência e competência de algumas pessoas; mas também ele é colocado, com mais ou menos sujeira, conforme as conveniências e os interesses de quem está olhando.

Jesus não agradou a todos porque a ignorância e a estupidez humana não souberam ou não quiseram enxergá-lo, como ele realmente é.

Muitos o conceberam como sendo o próprio Deus, num equivocado exagero, forma de conceito esta que existe até hoje, na religião tradicional.

Outros já o conceberam como um fazedor de milagres, e o procuravam apenas para curar as suas enfermidades, sem o menor interesse nos seus ensinamentos, inclusive desaparecendo, sem dar a menor bola para ele, depois de curados.

Outros só o viam como o filho de José, o carpinteiro, sem nada de especial.

Já os seus irmãos o viam com deboches e quiseram sempre estar distante dele, porque o consideravam como um parente desequilibrado, um maluco.

Os religiosos o consideravam como um blasfemo e presunçoso. Sentiam-se incomodados com a sua presença, sobretudo quando ele insistia tanto em ser duro contra a hipocrisia.

Outros o consideravam como perigoso, agitador, inimigo de Roma e mobilizador do povo para acabar com os interesses do império.

Enfim, os interesses políticos, aliados aos dos religiosos e mais a burrice do povo, culminaram com o seu assassinato, daquela forma tão cruel e covarde.

Só que ele não foi a única vítima da diversidade de visões do mundo. Gandhi também foi assassinado, por causa dessa mesma diversidade, assim como Martin Luther King e inúmeros outros nomes notáveis da história humana.



As pessoas vêem as coisas, como elas querem ver.



Nós, espíritas, somos vistos pela maioria dos protestantes como servos do tal satanás, inimigos de Jesus e de Deus, adoradores de espíritos de mortos, que vivemos a consultar mortos, praticando de feitiçaria, necromancia e até matanças de animais e crianças para oferecer o seu sangue em sacrifício.

Você que, como eu, é espírita, vê alguma coerência nesse tipo de visão? Não acha um verdadeiro absurdo alguém conceber o espírita desta maneira?

Você que convive em centros espíritas há anos e até há décadas, consciente de que em centro nenhum existe prática de feitiçarias, adoração de espíritos mortos, consulta a mortos, bruxarias, necromancia, despachos e matanças de animais, não sente indignação diante desse tipo de conceituação, movida por uma tremenda ignorância?

É claro que sim, por mais que queira exercer a “humildade” de forçação de barra, em afirmar que “temos que ser tolerantes com eles, porque eles estão no nível evolutivo que estão”.

Pois bem. O Espiritismo é o que é e não aquilo que os seus detratores querem que seja.

Mas, também, temos que afirmar, com toda segurança e destemor, que o Espiritismo é o que é, e não o que alguns dos seus próprios adeptos, também espíritas, querem que ele seja.

Do mesmo jeito que muitos segmentos da humanidade viram Jesus com várias óticas, as pessoas que não são espíritas também vêem o Espiritismo com diversas óticas.

Também, os que estão no movimento, o vêem com diversos tipos de olhos.

Falemos, então, sobre os diversos tipos de visões que existem dentro do nosso movimento.

Há criaturas que conceberam o Espiritismo como uma Doutrina, mas há outras que o conceberam apenas como uma Religião. Outros já se esforçam em diversificar, ao afirmarem que é uma doutrina que, ao mesmo tempo, é Religião, Ciência e Filosofia. Mais ou menos como se fosse Pai, Filho e Espírito Santo.

Até aí, tudo bem. Só que as diversificações de entendimentos do que é e do que não é Espiritismo, é algo que gera uma confusão enorme em nosso movimento, e até inimizades e ódios terríveis entre os próprios espíritas.

O pior de tudo é que quem é defensor de um determinando entendimento do que seja o Espiritismo, acha que todo mundo tem que entender a doutrina exatamente como ele entende.

É como se o Thomás de Torquemada, por exemplo, exigisse que católicos como Dom Hélder Câmara, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce e todos os outros exemplares de amor da igreja entendessem o catolicismo como ele entendia, sem necessidade de amor, humildade e tolerância nenhuma, achando lícito torturar e assassinar pessoas, com métodos cruéis e terroristas, como ele adotava.

Tanto é que ele e outros membros da igreja católica chegaram a queimar até outros colegas, também padres e bispos, que não pensavam daquela forma. Mas queimar mesmo, colocando-os em fogueiras, em praça pública, na frente de multidões para assistirem os seus corpos se transformarem em churrasco.

Em nosso movimento espírita há pessoas que vêem uma importância enorme nos trabalhadores espíritas se vestirem de branco, principalmente nas mediúnicas, e as toalhas das mesas serem forradas, necessariamente, com toalhas brancas. A coisa é levada a tanto rigor, que chegam a mandar que voltem para casa os trabalhadores que, por alguma razão, chegam ao centro vestidos com roupas que não seja brancas.

Outros chegam a exigir que as pessoas fechem os olhos, nos momentos da prece, como se isto fosse uma exigência da doutrina.

Por incrível que pareça, há outras exigências, em determinadas casas espíritas, que chegam a impressionar:

Homens devem se sentar nos bancos ou cadeiras do lado direito e mulheres do lado esquerdo.

É proibida a entrada de mulheres, se vestindo com calças compridas. Tem que ser de vestido, com comprimento abaixo do joelho. Maquiagem também é proibida.

Somente a dona Fulana pode receber o espírito mentor da casa.

Em nosso centro é proibida a manifestação de qualquer espírito que se apresente como índio, caboclo ou preto velho.

Tem que apagar a luz, para fazer a prece. Tem que botar uma música, para fazer a prece.

Tem que virar as palmas das mãos para cima, na hora de receber o passe. Uai, e a energia do passe entra pela palma da mão?

Aí vem as diversas características de centros espíritas:

“Em nosso centro, estudamos Ramatis”. “Em nosso centro, não admitimos Ramatis”. “O centro que freqüento é adeso à FEB”, “O centro tal não é adeso à FEB”. “Em nosso centro, tem várias reuniões mediúnicas”, “no centro tal, só tem mediúnica uma vez por semana, mas para apenas 8 pessoas que podem participar”. “No nosso centro, distribuímos farnéis para os pobres do bairro”. “No nosso centro todo mundo tem que fazer curso”. “No centro tal, a pessoa só pode trabalhar na mediúnica, depois de pelo menos dois anos de curso de médium”...

E por aí vai.

Nessa onda toda, formam-se diretorias e conselhos deliberativos, para determinarem as normas, estatutos e metas do centro, porém dentro do que pensa um tal “Seu Fulano”, ou “Dona Fulana”, constituído como liderança maior da casa, considerada como altamente experiente em espiritismo, a quem todo mundo deve reverência.

E ai daquele que se atrever a questionar os métodos e princípios adotados.

Quando a cabeça do centro acha que não é conveniente adotar as obras do Chico Xavier, sob a argumentação de que ele faz um espiritismo brasileiro à sua moda, orientado pelo padre Emmanuel, aí não tem cristão que dê jeito. Outros proíbem os livros de Divaldo, sob a mesma argumentação, de que ele é conduzido pela Joanna de Ângelis, que é freira. Gente, Joanna nunca obrigou Divaldo a coisa alguma, nem mesmo a pensar exatamente como ela.

O pior de tudo é que a diversificação de interpretações da doutrina não se limita apenas a admitir um ponto de vista, a adotá-lo e a respeitar os que não pensam e não praticam daquela forma, convivendo fraternal e harmoniosamente com outros confrades. Muito pelo contrário, passam a ver os outros como se fossem seus adversários e assim os tratam, da mesma forma como os protestantes nos vêem como se fôssemos servos do tal Satanás.

Um centro espírita dirigido por uma determinada criatura que odeia as obras de Roustaing, por exemplo, se sente profundamente incomodado quando alguém que gosta da obra começa a freqüentar aquela casa. Ele chega a recomendar aos demais diretores e trabalhadores da casa, para que fiquem de “olho no cara”, e não deixem nem ele abrir a boca para comentar nada, para dar opinião nenhuma no centro, em situação nenhuma. Passa a ser visto como se fosse um bandido, uma criatura da pior espécie.

As determinações para que determinados palestrantes não sejam convidados a fazer palestras na casa, são as mais absurdas possíveis e nunca têm um embasamento real em cima das obras básicas, onde se pode demonstrar, com clareza o porquê ele não é convidado. A fragilidade dessas proibições é tão grande que, por falta de argumento convincente, geralmente saem com justificativas do tipo: “foi determinação da diretoria”, e pronto, não se pode mais falar no assunto.

As afirmações de que “fulano é anti doutrinário” acontecem deliberadamente, sem qualquer fundamentação, sem qualquer enquadramento da acusação e, o que é mais lamentável, os freqüentadores e demais trabalhadores da casa ficam todos quietinhos, amedrontados e ninguém se atreve a pedir explicações, principalmente diante de toda a platéia, para que o proibidor explique as REAIS razões da afirmação.

É preciso que tenhamos um melhor discernimento e um entendimento mais profundo do que seja realmente o Espiritismo. Esse negócio de começar a estudar “O Livro dos Espíritos” a partir do “Que é Deus”, por mera formalidade de uma didática criada por determinada instituição, é algo que precisa ser repensado, porque nenhum espírita deve prescindir de conhecer, profundamente, o que Kardec coloca, magistralmente, na introdução da referida obra.

É preciso que os espíritas, brasileiros ou não, que estão no exterior, passem a entender que a FEB, Federação Espírita Brasileira, por mais respeitável que seja, não é um Vaticano do Espiritismo. Este aviso vai, principalmente, com muito carinho, para alguns amigos, muito queridos, que militam no movimento espírita dos Estados Unidos e em Portugal também.

Que todos saibam, ao mesmo tempo, que a FEB não costuma dar ordens às Federações Espíritas Estaduais, muito menos aos centros, nem impor coisa alguma, ao contrário do que determinados confrades escrevem em alguns jornais dirigidos por pessoas que não gostam dela.

Existe uma mania de condenação, terrível, em toda a humanidade, que foi herdada por muitas pessoas que estão em nosso movimento.

Os exemplos são inúmeros:

Quando uma obra tem um, dois ou três pontos que geram alguma dúvida ou controvérsia, as pessoas condenam TODA a obra.

Quando um determinado cidadão pensa, sobre algum ponto, diferente, as pessoas o condenam TOTALMENTE e já o enquadra em nível de marginalidade.

Eu já vi um amigo, espírita atuante e médico, ser banido dos trabalhos de um centro espírita, afastado das palestras e dos mais importantes trabalhos, só porque desfez o seu casamento, numa situação em que a esposa fora a culpada pelo rompimento dos laços, de uma forma tão evidente, que os dois filhos adolescentes do casal preferiram ficar com ele e não com ela, de tão indignados que ficaram diante das cenas que via no lar.

Mas o radicalismo da visão estreita, que determina como regra geral que “a família é instituição sagrada”, não abre qualquer espaço para analisar com mais profundidade e menos sofisma a questão da relação a dois.

É importante que nós espíritas passemos a estudar as questões das DOSAGENS, em todas as atividades da vida.

Eu já exemplifiquei, em artigo anterior, que café com açúcar demais fica ruim, mas com açúcar de menos fica ruim também. Tem dosagem.

Quando a gente questiona o aspecto do espiritismo ser ou não ser religião, a estupidez de alguns confrades já estabelece logo uma análise extremista, afirmando que estamos querendo retirar Jesus do Espiritismo, que somos contra a Caridade, a Humildade e que somos contra os aspectos morais da doutrina.

Na realidade, não é nada disto. O que se questiona é apenas que o movimento espírita afaste-se dos maus costumes praticados pela religião, como as proibições, as obrigações, as censuras, os patrulhamentos à vida alheia, as posturas clericais de determinadas lideranças, as hipocrisias e os moralismos de fachada, as difamações sutis, as manias de julgamentos e condenações sem dar direito de defesa aos acusados, as deliberações por ânimos pessoais, etc...

Mas tudo dentro de uma dosagem indispensável:

Respeito à Liberdade não significa necessariamente que devamos, por exemplo, permitir que casais venham a manter relações sexuais nos bancos dos centros espíritas, enquanto se faz uma palestra. Só mesmo uma mente estúpida, movida pelo extremismo, para ler a proposta com uma situação dessa.

É lícito, sim, que uma instituição espírita não permita a utilização da sua tribuna para pregação de idéias que vão de encontro à Doutrina Espírita. Não apenas é lícito, como é fundamental e é dever do espírita responsável cuidar disto.

Todavia há uma diferença enorme entre uma citação feita por alguém ser enquadrada como de encontro à Doutrina Espírita ou de encontro apenas à maneira como eu acho que a Doutrina é.

Por exemplo: Muitas pessoas acham que o simples ato de alguém sorrir no ambiente de um centro espírita é postura desrespeitosa, quando na realidade não é. O sorriso jamais pode ser considerado postura desrespeitosa, a não ser em caso de deboche a alguém. Um casal de namorados não pode estar abraçado num centro espírita, porque é considerado desrespeitoso, quando na realidade não é. Considerar o estar abraçados como se estivessem mantendo relações sexuais nos bancos do auditório, é de uma estupidez sem tamanho. E esses tipos de extremismos existem aos montes, por aí.

Disciplina é uma coisa, palhaçada é outra.

Ordem é uma coisa, ostentação de autoridade, enquanto diretor de uma instituição é outra.

Sejamos espíritas conscientes, corajosos, criteriosos e destemidos, sem abrir mão, jamais, pelo zelo aos postulados doutrinários como eles realmente são.

Se um palestrante vem dizer, em meu centro, que 2 + 3 são 7, eu tenho o direito de discordar, sim, e de contestá-lo, pegando a "obra básica da matemática", provar que ele está errado e que eu estou correto, em afirmar o 2 + 3 são 5 e não 7, porque é um cálculo fácil. Mas se um palestrante diz que 17,35623658 + 26,04653445 é igual a 43,40277103 e eu, por não ter tempo ou por ter preguiça de fazer os cálculos, de checar a informação e de verificar se está certo ou não, precipitadamente venho a condená-lo e dizer que ele está errado, constitui-se num ato de estupidez. É o que acontece, demais, em muitas instituições espíritas.

E se ele disser que 38, mais o seno de 47, mais o coseno de 39, mais a raiz quadrada de 144 é 56,8903, como é que eu vou querer julgar e contestar se eu nem sei que diabo é seno e coseno, apesar de já ter ouvido falar, no tempo em que estudei?

Façamos, portanto, um Espiritismo com dosagens, com coerência e com bom senso.







Abração, Gente!



Alamar Régis Carvalho

alamar@redevisao.net

www.redevisao.net

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