12 dezembro 2008

A matéria da revista Galileu


"A nova era do Espiritismo"

A revista Galileu, da Editora Globo, publicou em sua edição deste mês, uma matéria, que é sua chamada de capa: "A nova era do Espiritismo".

Conforme todos sabem, é comum as revistas, consideradas leigas, quando se dispõem a escrever sobre o Espiritismo, cometerem uma série de equívocos, falar coisas com base no conceitos populares criados acerca da nossa doutrina, e até escreverem uma série de bobagens. Com esta matéria não foi diferente.

Vários amigos me pediram para escrever sobre a publicação, e eu já estava com vontade de fazer isto mesmo, e fiz.

Segue aí, a carta que mandei para o Pablo Nogueira, autor da matéria. Para sua apreciação. Se você desejar, também, escrever alguma coisa a ele, o e-mail é pdiogo@edglobo.com.br e o e-mail geral da revista é galileu@edglobo.com.br.

Alamar Régis

Prezado Pablo:

Acabei de ler a sua matéria, “A nova era do Espiritismo”, que é chamada de capa da revista, onde você diz: “Como a influência de outras crenças está mudando a cara da doutrina. E conquistando cada vez mais adeptos.”

No início da matéria você escreve: “Novas influências estão reinventando a Doutrina no Brasil. Mas será que o fruto dessa metamorfose ainda pode carregar o nome da corrente criada por Allan Kardec há 150 anos?”.

Foi válida a matéria, sim, e é perceptível a seriedade como você tratou do assunto, sem o tradicional deboche que alguns colocam, quando se dispõem a falar das coisas espiritualistas. Todavia, amigo, me parece que você cometeu alguns equívocos e eu gostaria de prestar alguma contribuição aqui, no sentido de esclarecer algumas coisinhas.

No início da matéria, você escreve:

“Criada há 150 anos pelo professor francês Hyppolite Léon Denizard Rivail, ou Allan Kardec (1804-1869), a doutrina espírita surgiu graças à curiosidade e ao fascínio pela possibilidade de comunicação com os mortos”.

Em princípio, Pablo, a doutrina espírita não foi criada por Allan Kardec. A história é mais ou menos assim:

Amigos dele, senhor Fortier, pesquisador do magnetismo, e Madame Planamaison, faziam umas reuniões em suas casas e se viram diante de algumas coisas “anormais”, que para eles eram fenômenos, onde mesas giravam e até respondiam a perguntas, com o bater das pernas no chão.

Sem entender bem o que era aquilo, eles resolveram convidar o professor Rivail, que era pesquisador, estudioso, mestre e possuidor de altos qualificativos, inclusive científicos, para que “desse um pulinho na casa deles” e participasse daquelas reuniões a fim de ajudá-los a entender melhor o que estava acontecendo.

De repente o convidado... (veja bem: convidado)... depois de ter percebido que não se tratava de brincadeira, resolveu participar assiduamente das reuniões e envolver-se nos diálogos com aqueles que se diziam espíritos de homens que viveram na Terra.

Até então, o professor Rivail era ceticismo total, com absoluta razão, já que homem racional nenhum deve aceitar certas coisas assim, logo de pronto.

Em determinado momento, aqueles espíritos disseram-lhe que pretendiam mandar uma nova doutrina ao mundo, e lhe fizeram saber que ele fora o escolhido para passar as novas idéias para livros, a fim de que a humanidade pudesse tomar conhecimento.

Mas, por que ele o escolhido?

Pelo fato de tratar-se de um professor, pedagogo, poliglota, homem já acostumado a escrever livros, possuidor de didática notável, reconhecida em toda a Europa, experiente na arte de ensinar e educar e, também, homem possuidor de elevados valores morais.

Até aí tudo muito coerente, né? Passar novas idéias para livros, o melhor seria optar por um pedagogo.

Ele, inclusive, não aceitou de pronto, e até perguntou aos tais espíritos:

- “Mas, e se eu falhar?”

No que eles responderam:

- “Não tem problema nenhum, outro o substituirá”.

Foi mais ou menos assim, amigo.

Ele não criou doutrina nenhuma, as novas idéias não partiram dele, tanto é que ele recusou-se a assinar os livros com o seu nome, que já era celebridade educacional em toda a Europa e, certamente, venderiam facilmente, e optou por utilizar esse pseudônimo, Allan Kardec, para que ela se propagasse pelo seu conteúdo e não pelo famoso nome do autor.

Um detalhe que eu gostaria que você atentasse: O objetivo dos Espíritos não era o de fundar religião nenhuma; se assim fosse, eles escolheriam um padre, para ser o codificador e não um professor, pedagogo, mestre e cientista.

Esta é a realidade dos fatos.

Mas vamos em frente, analisando a sua matéria:

Deixe-me falar sobre essas “influências” que, conforme você diz, estão reinventando a doutrina no Brasil.

A coisa não é bem assim, Pablo. De fato, nós encontramos aí vários centros espíritas inventando tudo quanto é tipo de coisa, talvez com objetivos de atrair mais fiéis, na dependência que talvez tenham de quantidade, em detrimento da qualidade. (O movimento espírita, como todo movimento conduzido por humanos, infelizmente, não é constituído cem por cento por pessoas sensatas e coerentes, esta é a realidade).

A gente vê centro espírita incorporando cromoterapia em suas atividades... engraçado, alguns querendo fazer cromoterapia com toalhinhas verde, azul, cor de rosa, vermelhas, etc... quando na realidade a cromoterapia deve ser praticada com luzes e não com toalhas, cores de paredes, cores de roupas etc... Outros incorporam piramidologia, cristais, radiestesia, yoga, new age, tai-chi-chuan e outras práticas que são válidas, sim, são respeitáveis, sim, e até podem trazer resultados satisfatórios, mas são práticas apenas espiritualistas, não necessariamente espíritas.

Alguns dirigentes de casas espíritas fazem isto, porque o Espiritismo não tem sacerdócio organizado, não tem chefe, não tem papa, não tem cardeal e ninguém em cima que possa dar ordens, determinar ou impor um padrão a ser seguido, como acontece na Igreja Católica e noutras. Então cada um faz o que quer e é daí que encontramos vários “espiritismos à moda da casa”.

Só que o fato de algumas casas espíritas se utilizarem de algumas novidades e atrativos, não quer dizer necessariamente que seja O Espiritismo que esteja se adaptando a essas coisas, como você escreveu na matéria.

Mas tem outro detalhe que precisa ser esclarecido:

Não quero dizer que o Espiritismo seja imutável, que seja doutrina cem por cento pronta, que não esteja aberto para mudanças, aperfeiçoamentos e até correção de equívocos. Muito pelo contrário, o dia em que a Ciência comprovar que ele esteja errado em algum ponto, deve ele modificar-se, imediatamente, no ponto equivocado e seguir a Ciência. Isto está claro em seus postulados.

É uma doutrina notável, pela sua flexibilidade, amigo. Ocorre que, desde o seu surgimento, em 1857, até agora não temos tido conhecimento de nenhum apontamento verdadeiramente científico que comprove equívoco no que ele nos traz.

Veja bem: Estou falando em Ciência e não em supostos cientistas, como se auto-proclamam, por exemplo, pessoas como o padre Quevedo, autor da Quevedologia, que presunçosamente ele diz ser Parapsicologia, que só existe se for dentro da orientação básica de J. B. Rine, e não do Quevedo.

Tem uma outra coisinha que você colocou na sua matéria:

“Os espíritas tradicionais dizem que a cromoterapia não deve ser usada, porque Kardec não a mencionou”.

Amigo, espírita que diz que cromoterapia não deve ser usada, é espírita radical e presunçoso, ainda mais quando afirma que é porque Kardec não mencionou. Será que o mundo só pode usar coisas que Kardec mencionou? Esse tipo de afirmativa é semelhante aos dizeres de crentes irracionais e fanáticos que consideram inválido tudo o que não consta na Bíblia.

Que alguém diga que não é conveniente e nem aconselhável a sua utilização na casa espírita, como se fosse Espiritismo, há coerência, sim, está correto; mas dizer que NÃO DEVE, é o cúmulo da presunção e da arrogância.

Mas entenda, Pablo, que esse tipo de comportamento não é do Espiritismo, é apenas isolado de algumas pessoas que constituem um pequeno universo de “espíritas chatos”, do mesmo jeito que existem crentes chatos, católicos chatos, muçulmanos chatos, etc...

A citação correta é a do Wladisnei da Costa, membro da União das Sociedades Espíritas de São Paulo, quando, lucidamente, afirma o que está também na sua matéria:

-“Não temos nada contra essas terapias, mas, como o próprio Kardec diz, isso tem que ser feito fora da casa espírita”.

É diferente do outro “espiritado” que diz que não deve ser usada.

Mas vamos em frente:

Quando você diz que a forma dos atendimentos nas “novas” instituições também pode fugir ao padrão, e cita a questão da desobsessão que pode ser feita à distância, saiba amigo que atendimento à distância, na prática espírita, não é modernismo nenhum e já existe há muito tempo.

Sobre a “Fraternidade Espiritualista Calunga”, que você cita, que utiliza-se do rosa-crucianismo e de práticas esotéricas, ela está correta, Pablo, porque, conforme o próprio nome diz, é uma Fraternidade Espiritualista, e não Espírita, o que lhe faculta a liberdade para exercer qualquer prática espiritualista, sem problema nenhum.

O ideal, em nome da coerência, seria se todos os centros, que se identificam como espíritas, mas fazem essas práticas, tivessem a dignidade de mudar os seus nomes para “Centro Espiritualista” e não Centro Espírita, a exemplo do que fez a Fraternidade Espiritualista Calunga, porque assim estariam sendo mais sensatos. Aí poderiam usar new age, defumações, incensos, pirâmides, imagens, cristalterapia, cromoterapia, etc...

Tem um outro trecho da sua matéria que eu gostaria de tecer alguma consideração:

A alegria entre os presentes passa longe da sobriedade que se encontra nos centros espíritas tradicionais. “O espiritismo herdou do catolicismo uma visão moral muito calcada na culpa”, diz Marcello Coltrim.

Existe alegria, sim, na prática espírita autêntica, Pablo; existe sorriso, sim, gente de bem com a vida, sim, sem maiores problemas, sem prejuízo para a ordem, o respeito e a disciplina. Isso que você está identificando como “sobriedade”, me parece que é a cara fechada de muitos espíritas, os “psiu” que são comuns em alguns centros, a humildade forçada de alguns e essas coisas que nem sempre são autênticas e naturais, mas que muitos se utilizam para dar a impressão de que são sérios. Agora, esse negócio de dizer que o Espiritismo herdou, do Catolicismo, essa moral calcada na culpa, não tem fundamento, meu amigo. Há espíritas, sim, que adoram isto, que fazem apologia ao sofrimento, que sempre se afirmam pagando alguma coisa, etc... mas esse segmento tem outra identificação, também terminada em “ismo”, que não é bem Espiritismo e sim masoquismo.

Sobre a sua citação que diz: “Já a família Gasparetto, mais popular defensora da ruptura com a moralidade do espiritismo tradicional, adiciona o aspecto financeiro à equação”, acho que precisa ser melhor explicada, amigo.

Talvez você quisesse dizer que ela é defensora da ruptura com o modelo de moralidade que muitos espíritas adotam, que é a moralidade do “fingir que é bom”, “fingir que é humilde”, “fingir que encara a morte com a maior naturalidade do mundo”, “vincular sexo com imoralidade, obsessão e pecado” e essas coisinhas, muito comuns, não apenas no segmento espírita, mas, principalmente, nas vertentes religiosas tradicionais, aí estaria certo, porque eles romperam mesmo com isto.

A Moralidade autêntica, que é a Moralidade com “M” maiúsculo, a que o Espiritismo adota, é uma coisa, e esta eu tenho certeza de que eles não romperam. Já a “moralidade” que muitos querem em grande parte do nosso movimento, copiando o modelo do religiozismo tradicional, é a moral de sociedade, de formalidade, de época, de conveniências, de tradições, aquela moral que condena, que proíbe, que aponta dedo para os outros, que vê pecado em tudo... esta sim, eles não suportam. (Eu também não).

Sobre o adicionar o aspecto financeiro à equação, é bom ficar claro o seguinte: A família Gasparetto já foi espírita, hoje não é mais. Eles se identificam como Universalistas, Espiritualistas ou Livres Pensadores, o que descaracteriza que estejam praticando outro modelo de Espiritismo. A Dona Zíbia possui uma editora própria, que imprime os seus livros numa gráfica própria, possui uma distribuidora própria, livros esses que são vendidos nas principais livrarias do Brasil, porém com um detalhe: Ao contrário de outros autores, como eu, que para ter os livros vendidos nas grandes livrarias, precisam correr atrás das distribuidoras que, talvez, conseguirão algum espaço nas livrarias, ela é solicitada, com antecedência, por livrarias e distribuidoras a reservar exemplares dos seus livros, em quantidade, e até pagam adiantadamente, para garantirem a encomenda.

Os livros são vendidos a preço de mercado, e nunca superfaturados.

Outros autores comuns teriam que dar 50% do preço de capa às distribuidoras, ela não precisa disto. Teriam que pagar a fabricação na gráfica, ela não precisa pagar.

Tem outro detalhe: É presença garantida, toda semana, entre os mais vendidos da VEJA e das demais grandes revistas.

É natural que ganhe bem sobre o seu produto.

Tem outro detalhe que precisa ser bem entendido, inclusive por muitos espíritas que fazem uma confusão enorme em cima disto: a questão do “Daí de Graça”.

A recomendação de Jesus é: “Daí de graça o que DE GRAÇA recebestes”.

Ele não mandou que ninguém desse TUDO de graça, para os outros, em nome da Caridade. A recomendação é para dar de graça apenas o que DE GRAÇA foi recebido. Por exemplo: Espírita não pode cobrar pela aplicação de um passe, por um conselho dado alguém, uma orientação espiritual a alguém em desequilíbrio ou perturbação, etc...

Acontece que algumas pessoas parece não perceber que para fazer um livro ninguém consegue papel de graça, tinta de impressora de graça, energia que toca as máquinas de graça, funcionários de gráfica trabalhando de graça, etc...

Quanto ao Luiz Gasparetto, que não é espírita, de fato cobra pelos cursos profissionais que ministra, onde passa os ensinamentos adquiridos com os seus conhecimentos de Psicologia, de Comportamental Humano e toda experiência adquirida. O índice de satisfação dos seus clientes é enorme e a cada dia que passa tem gente indicando gente para ele.

Sobre a matéria seguinte, onde você fala sobre o João de Abadiânia, não quero comentar agora, porque esta minha matéria já está ficando grande demais.

Forte abraço.

Alamar Régis Carvalho

alamar@redevisao.net

Analista de Sistemas

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