10 março 2009

O aborto da menina de 9 anos e a coerência

Foi ensinado, para os espíritas, que o Espiritismo é uma doutrina racional. Isto implica em que o espírita que raciocina não está necessariamente em processo de obsessão e nem está manifestando frustrações, conforme acham alguns espíritas dogmáticos.

Afinal de contas, a racionalidade espírita ficou restrita apenas a Kardec, Delane, Flamarion, Geley, Denis e demais personalidades da época da codificação?

Existe alguma instrução, nas obras básicas, que encerra a doutrina espírita apenas no que Kardec colocou nos livros iniciais, algo que recomenda aos espíritas a fecharem os olhos para a Ciência, em suas novas descobertas, novas pesquisas e novos conceitos?

Tenho a impressão de que não. A racionalidade foi recomendada a todos os espíritas, em todas as épocas, já que foi afirmado que fé inabalável é aquela que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade.

Portanto, amigo leitor, permito-me não querer estar inserido no universo espírita dogmático e convido-me, mais uma vez, a raciocinar.



Espírita que pensa não pode ficar omisso em relação a este assunto que está sendo discutido, no Brasil, com repercussão na imprensa internacional, acerca do aborto que foi praticado no Recife na garota de 9 anos, que foi engravidada pelo padrasto e esperava gêmeos.

O arcebispo do Recife tomou a atitude de excomungar toda a equipe médica, mas nenhuma providência punitiva, conforme a visão católica, em relação ao padrasto da criança, principal responsável pelo problema, posição que está gerando críticas de toda parte do Brasil e do mundo, principalmente das classes médicas brasileira e internacional.

Tive oportunidade de ler hoje, pela internet, que fora feita uma pesquisa que aponta que 90% dos católicos ouvidos não concordam com a posição do arcebispo.

Enfim, ta uma confusão enorme e não se fala de outra coisa, já que este é o assunto de todos os telejornais e que ocupa espaço nas páginas dos jornais e revistas.

E a opinião dos espíritas, qual é? O que é que os espíritas acham disto?

Bom. Todos sabemos que o Espiritismo é contra o aborto, admitindo-o apenas em casos em que a mãe corre risco de morte.

A conceituação espírita de ser contra o aborto não é apenas uma determinação religiosa, dogmática, que manda ser contra, apenas por ser contra. Não, nada disto.

Já que sabemos a reencarnação... não apenas cremos na reencarnação... somos cientes de que o espírito se liga ao corpo no momento da concepção, conforme nos ensina a segunda edição de “O Livro dos Espíritos”, em sua questão 344.

Mas, devido a complexidade do tema, creio que a racionalidade deva ser algo fundamental a altamente relevante neste assunto e todo espírita deve prestar atenção não apenas em toda a resposta da questão 344 bem como nas próximas questões que se seguem.

Quanto ao caso da criança de 9 anos... vejam bem, criança de 9 anos e não uma mulher que engravidou... nós espíritas já temos uma posição tomada, posto que a mãe corria risco de morte, já que se tratava de uma criança, grávida de gêmeos, em que, caso a gravidez fosse levada em frente, cada bebê deveria nascer pesando mais de 2,5 quilos, segundo a previsão médica, o que implicaria numa mãe dar a luz a mais de 5 quilos.

Alguém tem dúvidas das conseqüências dessa gestação ser levada em frente?

O risco de grande hemorragia seria praticamente inevitável, em que pese os modernos recursos médicos. Como ficaria o órgão genital dessa menina que, pela idade, não deve ter nem pêlos ainda?

Mas a visão mais extremista diz o seguinte:

- “Não importa! O que importa é que ali já habitava um espírito, ou melhor, dois espíritos, e eles foram assassinados cruelmente, de forma covarde, sem o direito de defesa”.

Eu também digo isto, em se tratando de outros casos de aborto.

Vamos dar uma analisada melhor na orientação espírita, acerca do caso?

Eu já escrevi sobre isto, em outro artigo, que gerou recomendação de alguns espíritas para que eu não tocasse neste assunto, já que não tem porque um espírita fazer referência ao aspecto que abordei.

Em princípio eu não consigo entender que nível de inteligência deve mover um espírita que sugere, a outro espírita, calar a boca, em relação a determinados assuntos, que, segundo as suas cabeças, não devem ser discutidos. A meu ver nada mais é do que insegurança doutrinária e incapacidade de levar em frente discussões sérias e que necessitam de profundidade, para que o assunto fique bem entendido ou entendido o melhor possível.

No artigo eu questionava o seguinte:

Na primeira edição de “O Livro dos Espíritos”, aquela que trazia apenas 510 questões, que foi lançada em 18 de abril de 1857, data oficial de lançamento do Espiritismo no mundo, em sua questão número 86 foi feita a mesma pergunta aos espíritos:

- “Quando se dá a ligação do espírito ao corpo?”

Os espíritos responderam: - “No nascimento”.

Cinco anos depois surge a segunda edição, com 1018 questões, e o mesmo questionamento é feito com o número 344, onde encontramos esta resposta:

- “A união começa na concepção, mas só se completa no instante do nascimento. No momento da concepção, o espírito designado para habitar determinado corpo se liga a ele por um laço fluídico e vai aumentando essa ligação cada vez mais, até o instante do nascimento da criança. O grito que sai da criança anuncia que ela se encontra entre os vivos e servidores de Deus”.

Eu destaquei a palavra começa na cor verde, para chamar bem atenção que os espíritos disseram que a união apenas começa, o que nos leva a entender que não, necessariamente, se dá na hora da concepção.

A colocação do mas só se completa no instante do nascimento, remete-nos a um entendimento que não se dá na hora da concepção.

A resposta, que não é curta, vai mais longe neste entendimento, que diz que se liga por um laço fluídico que vai aumentando essa ligação cada vez mais.

Peço calma àqueles precipitados que já querem tirar conclusões sobre o raciocínio dos outros, antes que ele se complete.

Vamos fazer uma analogia aqui:

Faz de conta que duas pessoas, um homem e uma mulher, se conhecem agora, em uma festa ou num encontro qualquer. De repente “pinta o clima”, conforme a expressão moderna usada pelas pessoas.

Estabelece-se, naquele momento inicial, um laço de afinidade, de simpatia, de atração... seja ele por qual interesse for: em razão da beleza física, da posição social, da atração sexual... enfim, qualquer que seja a razão, estabelece-se um laço de ligação inicial.

Aí eu pergunto: Pelo fato de ter surgido aquele laço, naquele momento inicial, já quer dizer que as pessoas estão ligadas uma a outra? Já existe compromisso? Já são namorados? Já têm obrigações e responsabilidade um para com o outro?

Agora observemos outro detalhe interessantíssimo:

No caso do encontro que exemplifico aqui, existem vários níveis de atração inicial, não é verdade?

Se você, que está me lendo, é mulher, provavelmente já saiu com alguma amiga a alguma festa, e percebeu que ela simpatizou-se com determinado homem.

Ao perguntar à amiga:

- “Que tal, gostou dele?”

Veja agora a variedade do nível de respostas possíveis, em razão do nível de sintonia ou ligação que se deu na amiga:

- “Mais ou menos. Ele é bonitinho, sim, é simpático”.

Pronto, fica só nisto. Ela não fica a festa inteira olhando apenas para ele, pensando só nele, totalmente desligada das outras conversas e sem dar maiores atenções aos demais presentes, por causa dele.

Conclui-se, portanto, que houve um “laçozinho” apenas, uma “atraçãozinha”, apenas, não é verdade?

Mas existem outros níveis de laços e atrações, que trazem respostas assim:

- “Ele é um gatão, maravilhoso, olhe só que coisa mais interessante, é lindo, veja os olhos dele, olhe só o jeito dele olhar, é charmoso... tesão...”.

A mulher fica doida pelo cara, não consegue olhar pra mais ninguém na festa, as pessoas falam com ela e ela “não tá nem aí”, parece que está no mundo da lua, nem percebe que tem coisas pra comer na festa, não tira o olho dele, dá toda a pinta de que está muito afim.

Quando ele a tira para dançar, ela só falta se derramar toda, se arrepia, esquenta por tudo quanto é canto...

Vai para casa e fica a noite toda pensando nele, não fala noutra coisa que não seja nele... Pronto, virou o príncipe encantado da sua vida.

Percebeu que aí existiu outro tipo de laço, outro tipo de sintonia e outro nível de ligação?

Pois bem:

Diante deste exemplo que eu dei, raciocinemos em cima da questão 344:

Será que este detalhe de “A união começa na concepção...” não quer dizer que pode começar com um laço muito forte, como também pode começar apenas com um laçozinho sem maiores comprometimentos e que, se desligado, não implica em maiores problemas?

Voltemos ao caso da moça que conheceu o rapaz:

No primeiro caso, quando o laço se deu em apenas ela achá-lo “bonitinho e simpático”, caso o rapaz não venha a namorar com ela, não se constitui problema nenhum, ela não tá nem aí, não vai sofrer por causa disto, não vai sentir a menor falta dele, enfim... problema nenhum vai acontecer na sua vida.

Já no segundo caso, se o namoro não se concretizar ou, pelo menos, a pobre coitada ver o cara, na mesma festa ou em outro momento, abraçado com outra ou beijando outra, misericórdia!!!! Ela vai sofrer, vai ficar frustrada, vai lamentar, vai se maldizer, como muitas fazem quanto estão com as amigas:

- “Eu não tenho sorte, nada dá certo pra mim, eu sou horrível, não consigo atrair ninguém...”

Passa a um processo de baixo astral total, mau humor, trata mal os outros, etc... Algumas passam a fumar um cigarro atrás do outro, só faltando se matar. É o caso de pessoas que NÃO SE AMAM, principalmente mulheres.

É que os níveis de ligações foram diferentes, um foi mais forte do que o outro.

Voltando ao Livro dos Espíritos, observamos que Kardec não aceitou aquela resposta dada na questão 344 como pronta e totalmente entendida, e fez a pergunta 345:



345 - “A união entre o espírito e o corpo é definitiva desde o momento da concepção? Durante esse primeiro período o espírito poderia renunciar ao corpo designado?



Resposta – “A união é definitiva no sentido de que nenhum outro espírito poderá substituir o que está designado para aquele corpo. Mas, como os laços que unem são muito frágeis, fáceis de se romper, podem ser rompidos pela vontade do espírito, se este recuar diante da prova que escolheu; nesse caso a criança não vive.”



Deu para perceber o detalhe?

A união é definitiva apenas no sentido de que nenhum outro espírito poderá substituir o que está designado para aquele corpo.

Quem disse isto foram os Espíritos da codificação, o Alamar está apenas lendo e convidando todos ao raciocínio. Que fique bem claro isto.

Pelo que observamos, a questão é muito mais complexa do que a gente pode imaginar.

Consta que, em Salvador, Bahia, numa reunião mediúnica aberta a todo tipo de questionamento, sem censura, sem igrejismo, sem dogmatismo e até mesmo sem frescura, (é este termo mesmo que eu quero usar), com a presença de espíritos notáveis, conhecidos, pelos livros, por muitos de nós; o inteligente, coerente, sensato e racional espírita Adenauer Marcos Novaes fez a seguinte pergunta a um determinado espírito, que todo mundo conhece:

- “Minha amiga: Quando foi feita a pergunta de quando se dá a ligação do espírito ao corpo, na primeira edição de O Livro dos Espíritos, os espíritos responderam que era no nascimento. Depois na segunda edição, apenas cinco anos depois, mudaram a resposta, disseram que era na concepção e que apenas se completava no parto.

O que houve para uma mudança tão radical assim, no espaço de apenas cinco anos? Os espíritos se enganaram na primeira vez? Kardec estava com muita pressa e não prestou atenção na resposta completa? O que você pode nos dizer a respeito disto?”

Já que a reunião normalmente ocorre em clima de absoluta tranqüilidade, espíritos superiores em autêntica humildade, fazendo questão de se colocarem no mesmo nível dos interlocutores, o espírito respondeu algo mais ou menos assim:

- “Se fôssemos tratar desta questão, em toda a sua profundidade e dentro de todas as variações que o assunto requer, certamente teria que ser escrito um outro livro, talvez do tamanho de O Livro dos Espíritos, só falando sobre o tema. Você já imaginou o tamanho que ficaria a codificação espírita, considerando que várias outras questões também poderiam ser mais aprofundadas e detalhadas?”

O espírito chegou a dizer algumas coisas, bastante interessantes e sensatas, acerca destas variações, mas teve o cuidado de recomendar:

- “Sugiro evitarem falar sobre isto nas reuniões habituais nas casas espíritas, para evitar confusões, posto que nem todas as pessoas estão preparadas para estudar determinados assuntos, com detalhes e profundidade”.

Já imaginou?

Agora partamos para outra linha de raciocínio:

Quem é que programa a reencarnação dos espíritos?

São Espíritos Superiores, de uma esfera mais elevada, não é verdade?

Supõe-se, portanto, que se trata de Espíritos absolutamente coerentes, bons, sensatos, inteligentes e justos.

Pois bem.

Já que perguntar não ofende, raciocinar não é pecado e questionar é saudável, vamos lá:

Que coerência teriam esses Espíritos Superiores em programar a reencarnação de dois espíritos, ao mesmo tempo, no ventre de uma criança de apenas 9 anos de idade?

Será que esses Espíritos Superiores não sabem que “cinco quilos de neném” gestado por uma criança de nove anos certamente vai trazer problemas orgânicos terríveis para a mãe, tortura, muito sofrimento e, provavelmente, até mesmo levá-la à desencarnação?

Mas talvez alguém questione:

- “Alamar, você precisa levar em consideração que talvez essa menina traga débitos terríveis do passado e teria que pagar, passando por isto”.

Uai, e os Espíritos Superiores fariam essa tal “cobrança” de forma tão cruel?

Então, neste caso, os médicos pernambucanos foram melhores e mais coerentes que os Espíritos Superiores?

Você já imaginou se os médicos se recusassem a socorrer as pessoas, sob a argumentação de que elas têm que passar por sofrimentos, por conta de débitos em encarnações passadas?

Seria coerente algum entendimento espírita que sugerisse proibir a fabricação de analgésicos, já que as dores devem ser sentidas, por conta de débitos passados?

É por isto que iniciei a matéria, lembrando que a doutrina que escolhemos para seguir é uma doutrina que recomenda RACIONALIDADE.

O Espiritismo nos faz entender que a visão da Espiritualidade Superior está muito além da nossa capacidade de compreensão, em muitos aspectos, e que coisas que, para nós, são consideradas ruins, para eles é o que é bom, devido a visão profunda e a capacidade de perceber mais adiante.

O fenômeno morte, a desencarnação, é o principal desses fatores. Quem de nós quer morrer? Quem de nós quer que um entre querido desencarne? Ninguém. Afinal de contas, morte para todos os humanos representa sofrimento e muito sofrimento, conforme a ligação com o ser que desencarnou.

Para a Espiritualidade não. A visão é totalmente diferente.

O mesmo ocorre quando alguém se apaixona por alguém e algo acontece que o namoro e a relação não se realiza, assim como a mulher que se queixa de ser abandonada pelo marido. Todo mundo reclama, quando estas coisas acontecem, lamenta, fica triste, se revolta mas... lá na frente, em algum momento, vai perceber que o rompimento daquela relação foi a melhor coisa que aconteceu na sua vida.

Não estou pregando o estilo “espiritismo masoquista” que muitos espíritas adoram, porque não endosso esse equívoco maluco que muitos dizem que estamos aqui para sofrer, já que não é esta a proposta espírita. Estou mostrando, apenas, uma realidade dentro da lógica de um mundo de visão mais profunda.

De que adianta ficarmos “feliz” agora, contaminados pela cegueira da paixão, que revela o lado idiota de todos nós, para depois que a relação equivocada se consolidar, passarmos décadas sofrendo, pela convivência difícil com uma pessoa que, mais tarde, se revela uma verdadeira praga na nossa vida?

É o que acontece com milhões de pessoas, ou melhor, bilhões de pessoas.

O espírita que estuda e entende a essência da doutrina... o que não quer dizer, necessariamente, que seja espírita que decora todas as questões de O Livro dos Espíritos e sai querendo mostrar “conhecimento” doutrinário pra todo mundo... entende muito bem a questão do aborto da menina de 9 anos, de Pernambuco, mas, conforme o seu nível de inteligência, procura aplicar a lógica e o bom senso, sempre, nas análises que faz.

A postura do arcebispo de Recife/Olinda foi extremamente radical, dogmática e altamente intolerante. Imagine se fosse no tempo da inquisição, quando todos os médicos eram obrigados a obedecer as determinações da igreja, com medo de serem levados à fogueira, o que iria acontecer. A menina iria morrer nesse parto e, talvez, as duas crianças também.

O que a igreja iria dizer?

O extraordinário Albert Einstein afirmou que a Ciência deve andar passo a passo com a religião. Se eu convivesse na sua época e tivesse acesso a ele, eu perguntaria:

- “Mas, qual religião, senhor Einstein? Que tipo de cabeça religiosa a Ciência deve procurar estabelecer parcerias?”.

Que os espíritas que gostam de qualificar o Espiritismo como religião, continuem a a qualificá-lo assim, porque cada um tem o direito de interpretá-lo, conforme o seu nível de visão. Mas, pelo amor de Deus, em respeito à Doutrina, não o deixemos ser o vergonhoso exemplo de opressão, intolerância, perseguição, boicotes, torturas e perversidades que a religião tem praticado ao longo da história, porque em época nenhuma será interessante a gente ter que dizer que tem vergonha de ser espírita.



Abração, Gente!



Alamar Régis Carvalho

alamar@redevisao.net

www.redevisao.net

3 comentários:

Unknown disse...

Parabéns!!!
eu adorei tudo que voce escreveu.
Sou espírita há 39 anos e penso exatamente como voce!
Até que enfim um espírita racional
liberto!!!

Momento de Paz disse...

Oi Cristina boa noite!
desculpe-nos a demora em publicar o seu post. Muito obrigado pelo elogio isso nos alegra bastante pois o nosso dever é o de alertar e esclarecer...

um forte abraço
Neimar

www.sempremaisestetica.com.br disse...

Eu concordo com a Christina, é isso mesmo que tem q ser. Sou espirita e vou morrer assim que bom ver pessoas como você.

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